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Veja
Não diga que a canção está perdida
Tenha fé em Deus, tenha fé na vida
Tente outra vez

Beba
Pois a água viva ainda está na fonte
Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou, não não não não

Tente
Levante sua mão sedenta e recomece a andar
Não pense que a cabeça agüenta se você parar,
não não não não
Há uma voz que canta,
uma voz que dança,
uma voz que gira
Bailando no ar

Queira
Basta ser sincero e desejar profundo
Você será capaz de sacudir o mundo, vai
Tente outra vez

Tente
E não diga que a vitória está perdida
Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez


Link: http://www.vagalume.com.br/raul-seixas/tente-outra-vez.html#ixzz2k0W3PSyd

meditação na periferia de Curitiba
meditação na periferia de Curitiba

De noite, antes de repousar, quando todos foram dormir, faço minha meditação.

            Ergo um oratório num canto da casa, ornamento com objetos que lembram as experiências positivas e me ponho em posição de relaxamento.

            Inicio pelo exercício da respiração. De olhos fechados procuro sentir o ar que entra e sai dos pulmões, só que, pelas frestas da porta e janelas, o ar que entra traz de longe um cheiro forte de maconha consumida nas esquinas, quintais e mocós da Vila. Se for tempo chuvoso, quando os abatedouros e fabricantes de produtos químicos aproveitam para despejar poluentes no rio, um cheiro horrível surge das águas que corta a região e segue Curitiba adentro.

            O segundo passo da minha técnica é, ainda com os olhos fechados, ouvir. Ouvir todos os sons e movimentos de todas as formas de vida. Logo, a mente é assaltada pelos gritos dos bêbados cambaleantes, que xingam a estrada por ela se mover e maldizem os buracos que os derrubam. As freadas de carros, longe às vezes perto. As sirenes de viatura policial. Os estampidos de tiro. Muitos sinais de perseguição e morte de vidas. Preciso driblar a imaginação para ouvir o som dos pingos de chuva que cai na calçada. Apelo às ladainhas, preces, trezenas e mantras, lotadas de artifícios, que me colocam num mundo fantástico, porem melancólico.

            Durante o dia, só posso meditar graças aos encantos e desencantos que vejo. Mas o ritual resume-se apenas em ver e contemplar uma mistura de cultura e contracultura.

            Em alguns quintais da Avenida Santa Bernadete, comadres e compadres estendidos sobre banquetas, contando casos, histórias antigas e de mão em mão, girando no compasso da história, uma cuia com chimarrão, tal qual uma ladainha, profundamente sagrada.  

No final do dia, alguns jovens reúnem-se na esquina da Rua Camilo Castelo Branco, contam aventuras do dia de trabalho, gargalham e lamentam. Lançam a mão num litro plástico de refrigerante e numa lata de leite em pó e iniciam um pagode. Prosseguem até a hora da janta e depois vão embora às suas casas. No fim do outro dia a roda se refaz reiniciando o concerto ao ar livre.

Na periferia resido num cenário que a vida escolheu para o confronto entre o profano e o sarado, entre a lei de Deus e a lei dos homens. Duas leis que parecem nunca ter saído do papel. Às vezes minha meditação indica a periferia como um lugar escolhido pelo homem para difundir o império da morte, sufocando a vida como o espinheiro sufoca a flor.

            No domingo à tarde ainda contemplo homens e mulheres, crianças, jovens e anciãos, em torno de uma viola ou um violão, onde tocam e cantam. O som do instrumento de pau e corda, misturado ao canto entoado penetra pela minha pele, mas o lamento da canção, a poesia cantada, a melodia que traz alento e esperança, sufoca a beleza do ritmo e do instrumento.

            Todos as noites antes de deitar, medito no sagrado recanto de minha casa. É quando percebo que a vida na periferia caminha na contramão da historia. Todas as noites quando faço minha meditação observo o lado avesso da cidade.