De noite, antes de repousar, quando todos foram dormir, faço minha meditação.
Ergo um oratório num canto da casa, ornamento com lembranças da caminhada da vida e me ponho em posição de relaxamento.
Sigo os passos do “filhos e irmãos no espírito” de Pe. Nelson Carloni e Vilma Moreira. Inicio pelo exercício da respiração. De olhos fechados procuro sentir o ar que entra e sai nos pulmões. Pelas frestas da porta e janelas o ar que entra traz de longe um cheiro forte de maconha consumida pelas esquinas, quintais e mocós da Vila Lindóia. Quando o clima é úmido o cheiro horrível vem das águas do rio que corta a vila. Nas noites chuvosas os abatedouros e outros fabricantes despejam poluentes no rio que segue Curitiba adentro.
O segundo passo da técnica é, ainda com os olhos fechados, ouvir. Ouvir todos os sons e movimentos de todas as formas de vida. Logo a mente é sobressaltada por gritos de bêbados cambaleantes, xingando com palavrões a estrada que não para de se mover ou xingando os buracos que os derrubam. Freadas de carros, longe às vezes perto. Sirenes de viatura policial. Estampidos de tiro. Muito sinal de perseguição e morte de vidas.
Para ouvir o som dos pingos da chuva que cai na calçada é preciso driblar a imaginação gerada pelos odores e sons cruéis, porem reais. Só mesmo as ladainhas, preces e trezenas, lotadas de artifícios, nos coloca num mundo fantástico, doce, porem melancólico.
Meditar no sagrado recanto de nossas casas, de noite, é perceber que a vida caminha na contramão da historia. Meditar no sagrado recanto de nossas casas, de noite, é observar o lado avesso da cidade de Curitiba.