Anseando ouvir os apelos de Deus em minha vida, na história de meus dias, conjugo a ação e o apelo de Deus como um chamado, que é o cerne da vocação religiosa que possuo, dom divino, permeado por um silêncio e uma solidão orante e interior e que leva a intensificar a intimidade com Jesus, assumindo o ser libertador do Pai que ama a todos, tal o filho.
Nas experiências da vida quando procedemos as atitudes do mestre, retrata-se o namoro espiritual. O maior acontecimento na vida dos misticos, santos e martires da igreja de Deus que, a alma ardendo de amor, doaram a vida por amor ao pai, em favor dos oprimidos e esquecidos.
Meu primeiro degrau na experiencia de Deus já surge mesmo quando estava oprimido e esquecido com irmãos e família e que eram apenas meus irmão e minha família e eu só tinha eles.
Ao deixar se envolver pela mística e interpretar o chamado, passo a ser mais rejeitado socialmente, porem mais pobre de espirito e revelador do amor aos queridos do pai.
Minha história, depois de refletida se tornou luz que possibilitou enxergar, ver e interiorizar Deus como amigo e salvador meu e dos queridos. Por isso não canso e nem esqueço de recordar, registrar em meus anais esta que é sinal de fidelidade e correção fraterna.
Uma casa de taipa coberta com capim; eu, cinco anos de idade, 1969, um ano antes da conquista da copa do mundo e cinco anos depois da implantação do regime militar.
“Brasil Nunca Mais” revela nessa época uma fase de torturas, prisões, sequelas, mortes prematuras e injustas, condenações a homens e mulheres que ousaram apenas falar, expressar o mais sublime dom em favor de Deus.
Eu apenas arrancava os filetes das colunas do “barraco” e numa fogueira simulada, no meio da sala, celebrava São João Batista com fumaça que elevava ao céu, ,purificando minha alma dos pecados que emergiam da retalhação humana na sociedade.
No rosto de meu pai eu já não vi alguma esperança, apesar de vê-lo em dois anos sequentes, a cada quinze dias, sempre num sábado, quando retornava da “quebra de milho” para trazer a seus três filhos únicos filhos e sua esposa, que na linguagem humilde de caboclo, a chama carinhosamente de “véia”, algum alimento ou tributo resultante de seu suor.
Eu tinha um contato com Deus e minha alminha se alegrava na tristeza da ausencia da ternura paterna ao, de joelhos a cada noite, recitar com a mãe e irmãos, os mistérios da virgem de Aparecida, Padre Cícero, o Padim e protetor dos romeiros se fazia presente pela imagem em nosso oratório.
É certo que se fez mais vivo a imagem de Aparecida e o Cristo na Cruz.
Uma vez eu me lembro, queridos amigos, que meu pai chegou em casa bêbado e a mãe, cansada de discutir e ser discriminada e oprimida, naquela situação, se posicionou radicalmente deixando meu pai para fora e dizendo que abriria quando se recuperasse.
Meu coração ardeu e por amor puramente, com uma vassoura abri a taramela e um silencio se fez em nossa habitação. Minha atitude num estado de quietude e esperança, calou-os. Meu pai ajoelhu-se e prometeu jamais beber e incomodar ou planejar mal algum a nós. Nunca mais voltou a beber como antes.
A ação de uma alma é fruto e consequencia da oração, por sua vez, rezada entre irmãos qie vivem e buscam a fraternidade.
Só não entendia muito bem como era que se daria a verdade dos clamores, principalmente do Pai-nosso, sendo que faltava o pão nosso de cada dia. Era obscuro o “vosso reino”, “perdoai as nossas ofensas”. Entendia melhor o “rogai por nós”, “somos pecadores”, mas tinha medo do “livra-nos da hora da morte”. Porem, o que mais me tornava amigo da oração era que, sendo ela, palavra de Deus, estava compreendendo a nossa situação de “farta tudo”, de “briga dos pais”, de “falta de fé” ao dizer “livrai-nos do mal”. Meus lábios se enrijeciam e proferiram isso com confiança... ah! Se eu soubesse nesse tempo cantar “Esses lábios meus, vinde abrir Senhor...”!
Aliás, a fome ascendia na região, pois o pé de laranja, lá do “meio da mata”, estava cada vez mas procurado. Meus primeiros e únicos, porem passageiros, amigos na infancia foram buscar laranjas naquele pé.
Hoje comtemplo estes momentos e vejo na face de meu pai e minha mãe, a rebeldia, a obediencia, o massacre que o movimento dos militares impuseram na alma e na raiz dos filhos de Deus. Eu bebi dessa fonte nas reminiscencias do nordeste afluidos ao comportamento de meus pais nesse tempo de vangloria militar e resistencia inconsciente ao dragão que se encarnava em uma habitação nacional chamada pátria.
Nem o dono da fazenda, o Senhor Augusto, que tres anos mais tarde expulsava nós de suas terras, imaginava surgir do meiode seus escravos, uma alma que se fizesse, em meio aos incrédulos, reconhecer como alma filha amada de Deus.
O reconhecimento de minha alma já se encaminhara desde a concepção, como diz o Profeta Jeremias. Na verdade, era um revigoramento e aproximação ao nosso Bom Deus, da alma. Não vivi o processo de expulsão e procura de novo abrigo, pois meus pais tiveram vergonha de contar-me esse motivo quando criança. Só agora é que me disseram a verdade. Lembro-me bem, aos oito anos, já estava no primeiro ano escolar, fomos morar numa habitação de tábuas com muitas frestas que traçavam belos sinais luminosos no oratório quase que escondido num cantinho. Era nos fundos do quintal de meu tio e não entendia a troca daquela habitação que havia oratório maior, mais tarimbas, um pé de laranja, uma mina de agua, filetes de coqueiros, um chiqueiro de porco, por essa habitação de tábuas, porem, de dois metros quadrados e mal nos cabia.
Por ser na frente da igreja e prosimo da escola, raciocinava eu, seria essa a causa da nova habitação.
Como sonhava rezar naqueles bancos imensos, ao lado de altos santos, tendo a frente uma luz que chamam de santíssimo sacramento.
Esse desejo se ornou mais ardente quando se preparava para primeira comunhão e recebia tarefas de rezar orações e até um terço pela alma dos inocentes.
Agora já não havia mais aqueles longos pastos apenas com uma habitação de cobertura de capim com um pé de espirradeira na frente; até meninas surgia como pessoa diferente no falar, de andar, de agir, enfim, ninguém me contou antes dos oito anos. Foi uma feliz descoberta... feliz, porque numa das missões Frei Eusébio dizia que era preciso amar os vizinhos e ser amigos como a nós mesmos... e a Rose, uma menina da vizinha que gostava de rezar com nós e ficamos amigos. Era a primeira que, que apesar de ter só seis anos e eu oito, vinha a mim, brincava, rezava... uma vez elea comeu farofa no mesmo prato que eu; nem os pais dela nem os meus pais se importavam, mas os outros meninos gozavam porque eu era preto e pobre e ela branca e rica. Claro! Meus pais nada tinham, enquanto eles eram de família tradicional e a casa dela dava para brinca de “salva” no corredor e até de ”gringa gringalha” debaixo do assoalho. Era imensa e alta do chão.
Aumentava os amiguinhos, conhecia a pracinha, tinha um campo de futebol no povoado, era um lugar povoado. Os terços já não tinham mais aquele sentido de intimidade e talvez não tivesse mais coragem de abrir a porta com a vassoura. Até a mãe não vinha mais aos pés da cama quando estava para dormir e chorar no meu seio. Estes momentos foram vários quando criança, até os sete anos de idade, me lembro que a mãe chorava e dizia das reclamações do pai; que não havia mais comida; que não havia mais esperança; que tinha fome;
Um dia a mãe falou que quase se jogou da ponte, que media uns seis metros de altura, comigo e meus dois irmãos e ai não sofreríamos mais, então pedia perdão e chorava.
Houve grande dispersão na família. O oratório perdeu o sentido da graça e não reunia ninguém em torno dele. Os elementos da filosofia racional apareciam e substituía a fé numa reunião de uma hora em orno de um altar familiar agora empoeirado.
Era mais interessante contemplar as notas e o desenvolvimento da nova escola em reuniões para os pais (que sempre foi a mãe) uma quase todo mês.
As ruas estavam cascalhadas, os irmãos trabalhavam no engenho de farinha; era bom correr nas sacarias, apreciar os motores a óleo diesel exalar aquele ardor suave, intenso e irritante quando muito. Logo a luz elétrica veio como uma promessa cumprida por um homem e um sonho de tanta gente que o Deus do oratório nunca poderá realizar.
Apesar da mágica da natureza, da grande amiga até os meus treze anos, uma inquietação surgia no interior do coração. Um vazio não se preenchia com tantas coisas novas. A primeira televisão (em 1977) atraiu muito a todos e com excessão dos desenhos animados da tarde, nada mais me convinha em minha alminha inocente.
Eu sentia saudades da reunião em torno do altarzinho; da mãe sentada na cama contando historinhas e contando como foi a vida no nordeste. Do pai, apesar de poucas vezes,que corria com a gente ao redor da habitação ou jogava mamona nos bichos. Tudo foi trocado pela televisão na casa do vizinho em 1977 ou em casa anos depois, pelas conversas no bares e botequins, pelos jogos no campo de futebol.
Mas em plena adolescência, que soube da existência dessa fase quando passava dos dezoito anos, me retirava, me aquietava, obedecia, não jogava bola, estudava e por dentro, todo o barulho do mundo que o povoado praticava não me atraia.
Sentia falta de conversas francas como no tempo de criança, mas ninguém parava e a mãe era uma só para atender e procurar remansar os outros que debandavam-se pelos caminhos não reconhecidos e incertos a nossos olhos quanto ao porvir.
Remanesceu na memória apenas o fato do caderno que por inveja, a filha da diretora jogou dentro do mitorio, quando estudava no terceiro ano da escola primaria. Como também o dia em que me encontrava todo polulento devido a sofrer, ao mesmo tempo, sarampo e catapora. Esses fatores fizeram muita gente chorar e durante alguns dias ouvir repetidas vezes o nome suave e generoso de Deus e da Virgem Maria. Até paguei, mais tarde,uma promessa a santo Antonio, vestido como o santo, acompanhar a procissão de pés nus até o final, sendo uma promessa feita por minha mãe e meu tio. Como não havia justiça aos pobres o jeito era pagar promessa. Era a lei do cão a sociedade naquele tempo. Filho de pobre quando se destacava na escola era deixado de lado, não ganhava nenhum torneio de nada na escola, outras vezes tinha seus pertences roubados, queimados, etc... como não tinha ninguém para defender o jeito era se apegar a religião.